Nada é mais humano na nossa condição humanamente
caída do que a tentação. Sim, por isto ela aparece na oração na qual Jesus nos
ensina a pedir o pão, o perdão e tudo o mais que, positivamente, seja associado
à vida.
A tentação, todavia, é o pão do capricho, do desejo
e da necessidade; seja tal tentação real e objetiva — como o desejo do faminto
de roubar um pão! —; ou seja [ela] a invenção do capricho desejoso — mesmo que
ainda impotente na possibilidade da obtenção do pretendido! —; ou seja [ela] a
cobiça ungida pelo poder simples da obtenção do que se queira e se possa.
Sim! A tentação é o pão do capricho da alma!...
Jesus disse para orarmos, para mantermos a mente
acima do teste da tentação [...] pela via das ambições mais elevadas e
vinculadas à supremacia do reino de Deus em nós, da vontade de Deus encarnada
em nós e da santidade divina instalada em nós; pois, do contrário, a alma
anseia pela tentação com a mesma avidez com a qual Adão e Eva ansiaram pelo fruto
proibido, o qual, toda-via, estava ao alcance da mão.
Somos tentados pelo que vemos, ouvimos, sentimos,
imaginamos, sabemos, podemos, e, portanto, desejamos!
Jesus podia transformar pedras em pães. Podia pular
do Pináculo mesmo sem o amparo do Salmo 91. Podia ter sem Satanás todos os
reinos deste mundo. Podia não morrer na Cruz. Podia solicitar 12 legiões de
anjos que o defendessem. Podia casar e ter filhos. Podia mudar para Edessa e
viver vida longa. Podia provar com sinais que era o Messias. Sim, Ele podia,
mas decidiu que não poderia; e isto porque a vontade de Deus era outra.
Desse modo, o que Ele podia era o que não poderia, e, portanto, não deveria;
pois, do contrario, teria
tudo o que podia e nada do que poderia!
A tentação se estabelece pela cobiça que pode!...
Obviamente existe a tentação como sonho cobiçoso do
que se não pode [...] ainda; mas que [...], uma vez sonhado, coloca o individuo
na via obsessiva da busca do que, em tal caso, poderia ser; embora não devesse
ser.
Na realidade a tentação só existe para aquele ser
humano para quem Deus é! Pois, do contrário, trata-se apenas de algo que se
deve ou se não deve ser ou fazer [...], uma vez que se avaliem os prós e os
contras.
Jesus, entretanto, advertiu quanto ao estado de “entrar
em tentação”, que é quando a mente fica possessa da fome do pão do desejo
cobiçoso ou da vontade soberana em relação ao que a Palavra diga que não é vida
segundo Deus.
Daí Jesus ter enfrentado a tentação sempre com a
Escritura ou meramente por amor à Palavra que Nele estava como código de vida.
Toda tentação acontece como uma tentativa de se
comer do pão que está para além da oferta da Palavra!
Assim, somos tentados em tudo o que não seja a
Palavra revelada; tanto quanto somos tentados em relação a tudo o que seja
cobiça caprichosa, ainda que nada esteja dito sobre aquilo.
Sim! A tentação é a não satisfação com o pão
simples de cada dia! É o surto do descontentamento buscando uma razão contra o
pão nosso de cada dia. É a entrega ao desejo como direito contra a simplicidade
de ser. É a lei do ego contra o amor!
Paradoxalmente, entretanto, a tentação faz parte de
nossa humanidade caída. Sim, de todas as formas e modos. Até mesmo quando
estamos na empreitada do bem ela nos visita como exagero de bondade, ou de
amor, ou de virtude.
A tentação é a clausula do ego contra a pureza do
amor, da individualidade contente e do ser satisfeito em Deus como nosso Deus e
na vida como nossa vida!
Foi por esta razão que eu disse que a tentação é o
pão do capricho; é o alimento do eu-em-si-mesmado; é o direito da raiva
essencial contra a vida contente!
Para vencê-la tem-se que crer na Palavra e em seu
galardão; e mais: tem-se que ficar quieto!
Tudo o que a tentação quer é movimento; é um
debate; é uma discussão contra a quietude; é um fórum de arrazoamentos!...
Sim! A tentação quer conversa; quer palestras do eu
consigo mesmo; quer encontrar jurisprudência nas histórias do capricho humano;
seja no nosso próprio ou no de outros.
Não adianta discutir com a tentação. Ela vencerá!
Quanto mais com ela se dialoga, mais poderosa e argumentativa ela se torna.
Sim, pois as lógicas da tentação são irrebatíveis.
Por isto, e não por outra razão, Jesus apenas a rebatia dizendo “Está
escrito”; posto que de outro modo seria vencido pelos argumentos
intrínsecos do desejo, da carência ou do poder como capricho onipotente.
O que se descobre é que se cremos na Palavra e em
seu galardão de vida, e se nos calamos, e se não debatemos contra a tentação...
— ela começa a secar!
Lute contra a tentação, argumente com ela,
enfrente-a, e ela vencerá você. Entretanto, caso você seja objetivo, apenas
confessando sem argumentações a Palavra, e, após isto, ficando quieto, não tentando a tentação, não buscando subjuga-la; logo se perceberá que
ela dará lugar à paz que excede a todo entendimento. Então, como aconteceu com
Jesus, vêm os anjos e nos servem. Todavia, tem-se que silenciar e esperar o pão
dos anjos!
E saiba: o que disse tem a ver com tudo; e não
apenas com as tentações convencionais. Sim, pois além do que nos tenta sob o
signo das convenções, há o que nos tenta sob o signo do sagrado. Não importa.
Afinal, a tentação, seja qual seja a sua cara, seu resultado é um só: nossa
onipotência descontente é glorificada contra a simplicidade do pão de cada dia;
seja em que dimensão isso venha a buscar se impor contra a Palavra da Vida em
nós.
Nele,
que foi tentado em todas as coisas à nossa semelhança, mas sem pecado,
Caio
0 comentários:
Postar um comentário