quarta-feira, 6 de março de 2013

Drummond que me perdoe, mas acho que salvei José

quarta-feira, março 06, 2013 Posted by: Caminho em Big Field., 0 comments



JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?


Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?
E agora, José ?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde ?

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Vê agora, José?
A festa não acabara
Nem a luz apagara
Eram os teus olhos, José
Eram os teus olhos
Mas eles se abriram
O povo estava ai
O frio era em ti
Vê agora, José?
Voltou a utopia
E tudo começou
Incoerente é a vida, José
A mulher vai embora
E leva o carinho
O ódio se instala
E o discurso acaba
Olha o bonde da vida ai
Sobe nele
Sem teogonia, José
Teus deuses morreram
Precisa ir no bonde
Sobe nele, José
Sem cavalo preto que foge a galope
A fé é a pé
Marcha, José

Hugo Theophilo


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