sábado, 11 de janeiro de 2014

O Galo que cantava para o sol nascer - Rubem Alves

sábado, janeiro 11, 2014 Posted by: Caminho em Big Field., 0 comments

Era uma vez um galo que acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do galinheiro:
 
- Vou cantar para fazer o sol nascer...

Ato contínuo, ele subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava para o nascente e ordenava definitivo:

- Có-có-ri-có-có...

E ficava esperando. Dali a pouco a bola vermelha começava a aparecer, até que se mostrava toda, acima das montanhas, iluminando tudo.
O galo se voltava, orgulhoso, para os bichos e dizia:

- Eu não falei?

E todos ficavam boquiabertos e respeitosos ante tal poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar pra fazer o sol nascer.

Ninguém duvidava. Tinha sido sempre assim. Também o galo-pai cantara para fazer o sol nascer, e o galo-avô. Tal poder extraordinário provocava as mais variadas reações.Primeiro, os próprios galos não estavam de acordo. E isto porque não havia um galo só.

Depois havia grande ansiedade entre os moradores do galinheiro. E se o galo ficasse rouco? E se esquecesse da partitura? Quem cantaria para fazer nascer o sol? O dia não amanheceria. E por causa disso cuidavam do galo com o maior cuidado.

Ele, sabendo disso, sempre ameaçava a bicharada, para ser mais bem tratado ainda.

-Olha que eu enrouqueço! Dizia ele.

E todos se punham a correr, para satisfazer as suas vontades.

Aconteceu, como era inevitável, que certa madrugada o galo perdeu a hora. Não cantou para fazer o sol nascer. E o sol nasceu sem o seu canto.

O galo acordou com o rebuliço no galinheiro. Todos falavam ao mesmo tempo.

-O sol nasceu sem o galo... O sol nasceu sem o galo...

O pobre galo não podia acreditar naquilo que os seus olhos viam: a enorme bola vermelha, lá no alto da montanha. Como era possível? Teve um ataque de depressão ao descobrir que o seu canto não era tão poderoso como sempre pensara. E a vergonha era muita. Os bichos, por seu lado, ficaram fe1icíssimos. Descobriram que não precisavam do galo para que o sol nascesse. O sol nascia de qualquer forma, com galo ou sem galo. Passou-se muito tempo sem que se ouvissem o cantar do galo, de deprimido e humilhado que estava.

Até que, uma bela manhã, o galinheiro foi despertado novamente com o canto do galo.

Lá estava ele, como sempre, no alto do telhado, peito estufado.

- Está cantando para fazer o sol nascer? perguntou o peru em meio a uma gargalhada.

- Não - ele respondeu. Antes, eu era um tolo e cantava “para fazer” o sol nascer. Hoje não sou mais tolo. Hoje sou poeta e canto “porque” o sol nasceu.

Rubem Alves



(*Rubem Alves, Estórias de bichos. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 1990. p. 22-5.)


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