...E meu caçulinha bateu à porta do banheiro
dias desses: "Papai, um moço disse que você tem que descer até a portaria
pra falar com ele AGORA!"
"- Ok, avisa que o papai não pode agora,
filhote!"
"- Mas disseram tem que ser AGORA, pai!"
"- Então não vai ser nem agora e nem depois!"
E fiquei ali, no banheiro, tentando entender
porque fui tão reativo... Viajei para a época que eu era um pré-adolescente
como esse meu filho. Eu era mirradinho, fraquinho, tímido e cheio de tensão!
Não era para menos. Passei três anos perseguido por marginais e pedófilos que
comiam os garotinhos e as virginzinhas que moravam próximo à Vila Mathias,
bairro do Centro antigo de Santos, uma região sombria, cheia de casarões
antigos como as que eu vivia com meus avós, mas que eram feitos cortiços
subalugadas à dezenas de famílias da imigração nordestina. Os pedófilos
mandavam! Davam bola de futebol, roupas bacanas e material escolar para as
crianças que assediavam. As mães, quase sempre solteiras e pobres, evitavam perguntar
para os filhos de onde vinham aqueles presentes... Fui trabalhar numa
tapeçaria, para depois de um tempo descobrir que o lugar era só fachada para
ocultar o lugar que as "festinhas" aconteciam: As crianças viam
filmes pornôs cheirando cola e fumando maconha, e, então, deitavam umas sobre
as outras sob orientação dos adultos. Os mais alucinados eram também
"traçados" e os demais se mantinham entre troca-trocas e coca-colas.
E eu fugi dali...
Mas um dos caras mandou me buscar à noite. Mandei
avisar pra me deixarem em paz. E os meninos me diziam que lá era meu trabalho.
E eu alegava que não era mais, e que ali não se trabalhava. Daí veio a cartinha
dizendo: "Ou volta ou a gente conta para teu pai que você participa de
tudo isso"! Ok, a solução era pedir proteção para meu pai. Mas quando fui
contar sem nem saber como começar, ele não quis ouvir: "Marcelo, não me
traga problemas". Entrou no seu quarto, deitou e disse para mamãe:
"Se meu filho for viado, eu quero que Deus o leve!"
E eu ouvi. Meu pai não confiaria em mim. Desde esse
dia sou um cara sozinho! Eu tinha só 12 anos e o medo virou meu mais rotineiro
sentimento. Fugi para outra cidade, e o cara estava lá. Eu ia brincar na casa
de amigos distantes e na esquina o cara se escondia, nas sombras... Perseguido
o tempo todo, vivia sobressaltado! Fui sequestrado voltando da escola, puxado
pela mochila. Era um passeio a mais de 180 km/h no cais do Porto. Era só
terrorismo. Me mandavam descer em qualquer lugar da cidade e eu nem sabia como
voltar para casa! Vinha chorando e orando! Olhava para os adultos com quem
cruzava, mas parece que ninguém me via... Parece que eu nem existia... E o
diabo ainda fez o "favor" de contar pros caras que eu não podia
contar com meu pai! Daí, os meninos batiam a minha porta quase meia-noite:
"Vem com a gente ou vamos gritar para acordar teu pai!" Eu gelava!
Outras noites meu irmão vinha me avisar: " - Marcelo, tem um moleque aí
dizendo que você tem que ir com ele AGORA!"
"- Diz que eu estou dormindo, pelo amor de
Deus!" Ele ia e voltava: "Ele disse que se não te levar, ele apanha
de uns caras!"
Eu tirava o pijama e me arrastava até a rua da
tapeçaria. Lá eu ficava de estátua, inerte, cabeça baixa, exposto aos meus
"admiradores". Um calendário na parede trazia uma foto minha. Que vergonha!
Mas não me tocavam. Acho que temiam a reação do único menino que ainda tinha
família, papai e mamãe, ali na região. Era preciso que eu cedesse, mas eu nunca
o fiz. E por isso, paguei caro! A agonia se estendia. Eu vivia entre febres,
enxaquecas e orações. Não dormia sempre esperando alguém bater à porta. Um dia
veio a própria mãe do cidadão, uma velhinha que mal andava, com elefantíase.
Ela me disse que eu precisava ir com ela porque o filho estava quebrando tudo
na casa e só sossegaria se me visse! (Meu Deus! Tô perdido!)... Depois de uns
dias de sossego inexplicável, eu abri o jornal e li que a policia o prendeu em
flagrante enquanto estuprava uma criança de 7 anos. Sim, lá foi ele pra cadeia
receber o que sempre deu!
Os anos se passaram... Os outros meninos não
sobreviveram... Começaram a lidar com injetáveis pouco antes da AIDS chegar, e
quando ela veio, levou todo mundo!
Mas eu estou aqui... Estou em casa...
E tem alguém lá embaixo, na portaria, mandando
avisar um homem de 41 anos e mais de 10 vidas em uma só, que eu teria que
descer AGORA!
Não!
Já perdoei meu pai e nem lembro do cara, mas não
desço!
Não tô traumatizado, mas é verdade que giro o mundo
resgatando uns "marcelinhos" abusados por aí, mas isso é a energia do
Espírito se valendo da minha dor para proteger tantos pequeninos sozinhos! Sim,
talvez eu esteja me salvando cada vez que salvo! Isso francamente não me
importa! (Deus usa até doença!). O que importa é que não vou descer pra falar
com seja-lá-quem-for que me dê um comando. Se for oficial de justiça ou polícia
vai ter que subir... Eu só obedeço a Deus! Ninguém me diz o que fazer, nem para
onde ir. Ouço conselhos, não recebo ordens! Sou dono de mim. Virei metal. Só as
coisas do Evangelho me amolecem o coração, e eu persigo os que se valem desse
Evangelho para abusar da fé de gente inocente, feito "pedofilia
espiritual"! Eu bato na porta deles de madrugada: "Tira a pata desse
pequenino, seu safado!"
Por fim, nem sei quem estava me chamando...rs
Tô fazendo xixi...
Marcelo Quintela
Conheça o projeto que Marcelo Quintela lidera resgatando crianças pelo mundo:
http://www.caminhonacoes.com/
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