terça-feira, 8 de setembro de 2015

A SALVAÇÃO DO CASTOR FAIO CABIO…

terça-feira, setembro 08, 2015 Posted by: Caminho em Big Field., 0 comments

Sair dos lugares de sempre..., afastar-se dos ambientes do dia a dia..., impor distância entre você e as rotinas... —       de vez em quando é o que de melhor se pode fazer por si mesmo, na observação do significado da nossa própria vida simples e prática.

Desde os 18 anos que estou ativo no que as pessoas chamam de “ministério”. Aos 20 não tinha mais tempo para mim mesmo em nada... Aos 21 recebia centenas de cartas por semana, e criei um atendimento telefônico que chegava a receber até 6 mil chamadas no dia, apenas em Manaus.

Então, as filas de pessoas para atender...

E pregações todos os dias, em lugares diferentes...

Depois, logo dos 22 anos em diante, as viagens que aconteciam 3 ou 4 vezes no ano para pregar fora, passaram a me consumir todas as semanas, vindo a ser 2 vezes por semana; isto enquanto eu ainda morava em Manaus.

Ficou impossível. Mudei para o Rio.

Então piorou milhares de vezes... E apenas ficava muito pior...

De 81 até 1988 a vida foi uma Campanha Presidencial, na intensidade das atividades de dia e de noite; ou seja: era uma vida de Gadareno Ministerial...     

Não vou narrar como era... As pessoas cansariam só de ler... Basta dizer que era assustador até para quem vive as agendas mais loucas do mundo... Do mundo mesmo!...

Durante aquelas décadas eu passei a notar que tudo quanto fosse importante de mudança na minha vida ou “ministério”, acontecia sempre que eu me afastava, sempre que tirava férias, sempre que não via aquilo que me consumia o dia todo.


O poder que as coisas têm é descomunal e frequentemente não levado a sério por nós. O fato, no entanto, é que as coisas têm o poder das dentadas dos morcegos e ou das sanguessugas, pois, quando mordem, anestesiam; e a gente nem sente a picada, menos ainda a drenagem de sangue...

Dentro do processo, sem sentir, de jogador você vira peça no Tabuleiro.

Antes você achava que via e que, por isto, fazia os movimentos com consciência e inteligência...

Depois, devagar, sem sentir, você vai sendo jogado pelo jogo, e passa de jogador a peça... Pode ser Bispo, Cavalo, Rei, Rainha, Pião, etc... — mas, ainda assim, inevitavelmente você vira peça, ainda que seja um Rei; entretanto, apenas uma peça/Rei...

Para se salvar...

A pessoa tem que sair do jogo... Tem que se levantar da mesa... Tem que esquecer a fixação nas jogadas... Tem que virar observador... Tem que olhar de longe...

Sim, tem que ter distancia para se ver no jogo; para se enxergar no processo; para poder voltar e ver o Tabuleiro, e, por conseguinte, o próprio jogo...

O que se vê em Jesus neste particular é um distanciamento diário de tudo...

Ele começa o dia sozinho, longe, em um deserto, campina, montanha, ou um mero lugar solitário...

Frequentemente Ele some à noite... Descansa só. Surge do nada...

Quando as “intensidades” aumentam, Ele sempre muda de geografia... Evita o burburinho... Foge das massas desnecessárias e ávidas...

Quando não dá mais para evitar, Ele, porém, evita o possível... Pede que deixem um barquinho sempre disponível; até mesmo para que Ele entre no barco e pregue com uma certa distancia das multidões...; isso quando todos começaram a querer “pegar” Nele.

Em meio a coisas consideradas imperdíveis, o que se O vê frequentemente fazendo é apenas não aparecendo... Ou, então, chegando atrasado, ou em meio à festa, ao quando ela já estava acabando...

Por vezes Ele saía do país...

Foi à Jordânia de hoje: Decápolis. Foi ao Líbano de hoje, nas regiões de Tiro e Sidom. Ou então apenas ia para lugares que os crentes não iam [terra pagã], como a Cesareia de Felipe, ao Norte.

Esconde-se na paganidade a fim de ter privacidade...

E mais:

Ele não aceita imposição de “urgências”... Vai com quem quer e quando quer... Troca adultos por crianças; homens fortes por velhas; gente importante por gente sem importância; troca Jerusalém por qualquer aldeia com desejo de ressurreição, como Nain.

E quando tudo está “no ponto de glória”, Ele simplesmente diz: “Convém-vos que eu vá...”

Ora, é esse distanciamento deliberado de Jesus que me chama atenção como projeto de saúde humana em relação a tudo.

Ele dá a vida dizendo: “A minha vida ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou...”

Jesus fez tudo para que a rotina não matasse o espontaneamente...

Jesus fez tudo para que o dia a dia não roubasse a visão do Dia.

Jesus fez tudo para que as demandas dos outros não o mantivessem refém sob o pretexto do amor.

Jesus nunca virou peça/Rei no Tabuleiro da Graça!

Jesus sempre manteve Sua liberdade pelo serviço que não se agendava com meses de antecedência...

Jesus nunca se impressionou com as urgências ou as importâncias do “jogo”; e menos ainda com a chegada de novos jogadores...

Ele é o centro dos acontecimentos, mas se põe nas periferias a fim de ver sempre o que era mais essencial em tudo.

É da periferia, ou de fora, ou de cima, ou de baixo, ou de longe — que se pode ver melhor o sentido do que se faz ou não.

Tudo nesta vida merece um olhar distante...

Quem não se afasta, não mais vê... Ou melhor: vê como as peça vêem no tabuleiro...; mas já não joga com a consciência que somente possuem os que preferem a visão ao jogar...

Você que me lê hoje pode estar sofrendo da cegueira da imersão no momento...; momento que se tornou agenda...; agenda que faz você se sentir Rei...; porém, Rei de sua própria escravidão...

Aí por 1992/3 participei de uma manhã de devocional com uns amigos na Chácara Flora, em São Paulo, e, em meio à atividade devocional, alguém pediu que cada um de nós se identificasse com um bichinho...

Imediatamente me identifiquei com um castorzinho...

Sim, pois, a minha existência era a de um castor; um castor fazedor de represas; ocupado o ano inteiro em não deixar o rio arrombar o lugar da pesca...

Alguém viu e riu... A pessoa pensava que eu me identificaria com um Leão, um Elefante, um Hipopótamo, um Rinoceronte... Mas não, meu bichinho era o castor...

Eu, porém, estava cansado de ser castor!...

Aliás, por um equivoco, uma vez ouvi um jovem pastor, nervoso diante de uma imensa multidão que me aguardava para pregar, que agora era hora de se ouvir o “Castor Faio Cabio”. Rsrsrs.

Para todos era um nervosismo dele. Para mim era uma outra a ilação de Deus, provocando meu inconsciente pelo ato falho do irmão.

Hoje cedo li um texto que meu amado mano e amigo do Caminho, Carlos Bregantim escreveu para os Mentores do Caminho; e, decidi postá-lo para todos no site.


Fiz isto porque sei como, especialmente em São Paulo, todo pastor sofre do mal do “Castor Faio Cabio” no passado...

Eu chego e os irmãos vão logo querendo saber de mim quais são os planos, os sonhos, os projetos, as novas idéias, etc.

No passado eu julgava que deveria estimular as pessoas com idéias e projetos. Contava o que sonhava e estava fazendo...

Hoje, entretanto, sem “sonhos e sem projetos”, apenas ouço e nada digo; e mesmo que tivesse o que dizer, nada diria; pois, hoje, eu sei como os mais jovens sonham em viver de tal modo que não lhes sobre vida para viver...

Sim, sei que esta é a glória e o sonho — ter tanto ministério que já não se tenha nenhuma vida; e isso com muito orgulho de peixe grande...

Sonhar somente faz bem quando o sonho brota como um fato essencial da vida.
Antes eu sonhava. Hoje apenas aceito ser sonhado pelo sonho; e é problema do sonho se realizar em mim...

Do contrário, quanto mais sonho, mais surto e mais irreflexão...; quanto mais sonho, mais viagem...; quanto mais sonho, mais cegueira em relação a si mesmo na realidade como existência...

Portanto, se a experiência humana de Jesus lhe puder ser útil, e se meus equívocos humanos lhe puderem ajudar, então, dê ouvidos a esse que um dia corria sem parar, como um neurótico Castor Faio Cabio.

No fim a gente aprende que as coisas mais duráveis de nossas vidas foram e são justamente aqueles que não foram jamais nem sonhadas e nem planejadas, mas apenas feitas como imposição do que é bom e natural de Deus em nós.

Nele, que nos ensina como e quando seremos apenas levados pela mão para onde nem sempre se quer, mas para onde sempre será melhor que bom,



Caio Fábio


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