segunda-feira, 15 de setembro de 2014

À "MOCINHA" - IN MEMORIAN

segunda-feira, setembro 15, 2014 Posted by: Caminho em Big Field., 0 comments


Olhe bem para esse "banner" sobre a urgência da oração. Você percebeu que, ao fundo, há ALGUÉM de verdade, sombra tombada? 


Raramente usamos fotos que não sejam nossas e, por isso, conhecemos as crianças que "ilustram" nossos folders. Essa, entretanto, vive em mim como um "nó na garganta". Ela transformou a visita de reconhecimento, em 2010, num amplo projeto de resgate infantil além-mar. Vou contar. 

Janeiro ia acabando. Logo cedo, paramos o carro próximo a um campo de mato alto, casas ao redor, uma grande praça abandonada. Por uma trilha, fomos ao encontro da Cecilia, adolescente que havia fugido de um orfanato alegando maus tratos. Escondida num casebre do tamanho de uma guarita, ela nos dizia: "Por trás do mato, homens viram vocês chegarem... Ficam esperando cair a noite, trazem comida e tocam em mim. Me tirem daqui, por favor". Mas não tínhamos nada lá. Recém-chegados, mesmo nós, erámos peregrinos, sem pouso! Aflito que uma missão de "mapeamento" seja chamada para uma ação de enfrentamento, prometi, no ouvido dela, que voltaríamos do Brasil com recursos para construir uma casa de acolhimento, e recebê-la. Pedi que ela esperasse, e ela se desesperou: "Não vai dar tempo"... 

Cecilia tinha razão. Não deu. Quando voltamos para alugar a Base, ela estava morta. Grávida, o bebê tinha morrido em seu ventre, e sem conseguir expulsar o cadáver, não resistiu à infecção generalizada. Mas Cecilia não é a moça da foto. 

Essa, da FOTO, jogada no mato... não tinha nome, nem qualquer roupa senão uma surrada camiseta azul-escuro a lhe cobrir do umbigo para cima. Nudez de puberdade. Era uma adolescente entre 13 a 15 aninhos. Nós "tropeçamos" nela quando voltávamos distraídos para o carro. Eu me abaixei. Ela estava sedada, era mantida drogada, balbuciava coisas desconexas. Sabia que a gente estava ali, mas não conseguia interagir. Olhava para o nada e as moscas a circulavam. 

Corri os olhos pelo seu corpinho todo sujo, e entre as coxas, estava toda melecada. "Oh, Deus!" Parei de respirar. Senti dor. Fiquei furioso. Os vampiros que a Cecilia dizia estar nos observando, se deitavam sobre essa outra jovenzinha nas madrugadas, um após o outro, sugando a frágil vidinha dela. 

Pensei mil coisas: "Como vamos carregar uma jovem nua sendo nós, brancos estrangeiros anônimos? Como cruzar barricadas policiais sem ter uma única mulher na Missão que pudesse levá-la colada em seu corpo? E levá-la para onde??? E a polícia? Ora, eles eram os vampiros! 

MAS CHEGA DE PONDERAÇÕES! VAMOS LEVÁ-LA DAQUI! Então, eles apareceram! Empunhando uns facões que rasgavam a terra, três caras gritaram à distância que a puséssemos no chão! Começou o "barraco": 
"Por que?" 

- "Porque vocês são homens brancos querendo abusar dela".
Cacete, fiquei puto: "O que? Are you kidding...??? Vocês vão matá-la se a deixarmos!" E eles apelaram: "Tentem, então!". 

O carro estava por trás deles, e nosso motorista preto ficou amarelo, estático, gaguejante... Ele sabia como os caras podiam ser violentos. Olhei para meus companheiros e não havia medo em ninguém, mas eles diziam que eu pensasse bem, porque podia ser nosso último dia por lá! 

Jojó, surfista baiano, foi muito fiel: "O que vocês decidirem eu tô junto, mas não tem como passarmos por eles com essas peixeiras nas mãos. Não dá!". 
Eu não queria acreditar que isso ia acabar assim! Chorei rangendo os dentes:"Deus, faz alguma coisa!" 

SURGIU, ENTÃO, UMA ESPERANÇA. Ouvindo a discussão, mulheres apareciam nas janelas das casas. Gritei para aquela plateia que os convencesse a nos deixar passar: "Ela vai morrer!!! Help us!" 

Mas uma das janelas se fechou, e depois outra, e outra, e todas. Deus não fez nada. Nem nós. Beijei a testa dela como quem a entrega à sepultura. E minhas pernas tremiam de ódio enquanto voltávamos para o carro. Passamos por eles, ombro a ombro. Entramos calados e o veículo circulou a praça, o que acabou nos dando uma última visão dela, por trás, quando o fotográfo conosco fez esse registro. Vê-la de novo me pôs em surto. Bati minha cabeça por várias vezes contra a janela do carro, com força e choro:

"Escutem todos vocês: Nós não estamos indo embora! Acabamos de chegar! A gente não vai embora daqui nunca mais! Vamos montar uma Base! Vamos trazer nossas mulheres! Abrir uma organização internacional! Certificar sua atuação nesse país, ganhar respeito e força, amar essa gente por quem Jesus também morreu! Vamos trazer o inferno pra esse inferno aqui!" 

E assim nasceu o Caminho Nações - Way to the Nations, o braço social do Movimento Caminho da Graça. 

E eu nunca tinha escrito essa história. Agora que a conto, não há dor (Já chorei tudo, meus manos, nem tenho mais lágrima!). Tampouco há culpa. Aquilo foi permissão de Deus para nos mobilizar de modo antes impensável. 

Nunca na vida eu quis abrir uma agência humanitária. Não era essa a ideia do Rev. Caio Fabio D'Araújo Filho ao nos propor essa viagem! Eu sou profissional liberal. Não fazia a menor ideia do que se trata o tal "Terceiro Setor". Eu sustentava dezenas de Missões com meus boletos mensais, mas nunca quis ser um "missionário". Todavia, passados 4 anos, abrimos uma Base pequenininha (foto), depois outra maior, devolvemos muitas crianças às suas famílias, resgatamos outras tantas tirando-as debaixo das adagas que as imolariam. Adquirimos um condomínio, uma Casa de Acolhimento, a Fábrica de Esperanças (foto); e já demos "carteirada" em muita gente: 

"Saí da frente, sou missionário do Way to the Nations - Humanitarian Association que arregimenta discípulos do Amor para lutar contra o abuso nesse mundo cão! Saí da frente, em nome de Jesus! E assim, portas se abrem, um disque-denúncia funciona, comunidades inteiras aprendem o Evangelho, "Bobós" são devolvidos à vida e somos uma Boa Notícia - luz que brilha nas trevas, sal que dá gosto a essa terra; vida, alegria e sorriso! 
Garotinha, espero ter honrado teu sacríficio. Te beijarei de novo! 

Em Julho de 2014,
Marcelo Quintela
www.caminhonacoes.com


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