Olhe bem para esse "banner" sobre a urgência da oração. Você
percebeu que, ao fundo, há ALGUÉM de verdade, sombra tombada?
Raramente usamos
fotos que não sejam nossas e, por isso, conhecemos as crianças que "ilustram" nossos folders. Essa, entretanto, vive em mim como
um "nó na garganta". Ela transformou a visita de reconhecimento, em
2010, num amplo projeto de resgate infantil além-mar. Vou contar.
Janeiro ia acabando. Logo cedo, paramos o carro
próximo a um campo de mato alto, casas ao redor, uma grande praça abandonada.
Por uma trilha, fomos ao encontro da Cecilia, adolescente que havia fugido de
um orfanato alegando maus tratos. Escondida num casebre do tamanho de uma
guarita, ela nos dizia: "Por trás do mato, homens viram vocês chegarem...
Ficam esperando cair a noite, trazem comida e tocam em mim. Me tirem daqui, por
favor". Mas não tínhamos nada lá. Recém-chegados, mesmo nós, erámos
peregrinos, sem pouso! Aflito que uma missão de "mapeamento" seja
chamada para uma ação de enfrentamento, prometi, no ouvido dela, que
voltaríamos do Brasil com recursos para construir uma casa de acolhimento, e
recebê-la. Pedi que ela esperasse, e ela se desesperou: "Não vai dar
tempo"...
Cecilia tinha razão. Não deu. Quando voltamos para
alugar a Base, ela estava morta. Grávida, o bebê tinha morrido em seu ventre, e
sem conseguir expulsar o cadáver, não resistiu à infecção generalizada. Mas
Cecilia não é a moça da foto.
Essa, da FOTO, jogada no mato... não tinha nome,
nem qualquer roupa senão uma surrada camiseta azul-escuro a lhe cobrir do
umbigo para cima. Nudez de puberdade. Era uma adolescente entre 13 a 15 aninhos. Nós
"tropeçamos" nela quando voltávamos distraídos para o carro. Eu me
abaixei. Ela estava sedada, era mantida drogada, balbuciava coisas desconexas.
Sabia que a gente estava ali, mas não conseguia interagir. Olhava para o nada e
as moscas a circulavam.
Corri os olhos pelo seu corpinho todo sujo, e entre
as coxas, estava toda melecada. "Oh, Deus!" Parei de respirar. Senti
dor. Fiquei furioso. Os vampiros que a Cecilia dizia estar nos observando, se
deitavam sobre essa outra jovenzinha nas madrugadas, um após o outro, sugando a
frágil vidinha dela.
Pensei mil coisas: "Como vamos carregar uma
jovem nua sendo nós, brancos estrangeiros anônimos? Como cruzar barricadas
policiais sem ter uma única mulher na Missão que pudesse levá-la colada em seu
corpo? E levá-la para onde??? E a polícia? Ora, eles eram os vampiros!
MAS CHEGA DE PONDERAÇÕES! VAMOS LEVÁ-LA DAQUI!
Então, eles apareceram! Empunhando uns facões que rasgavam a terra, três caras
gritaram à distância que a puséssemos no chão! Começou o "barraco":
"Por que?"
- "Porque vocês são homens brancos querendo
abusar dela".
Cacete, fiquei puto: "O que? Are you
kidding...??? Vocês vão matá-la se a deixarmos!" E eles apelaram:
"Tentem, então!".
O carro estava por trás deles, e nosso motorista
preto ficou amarelo, estático, gaguejante... Ele sabia como os caras podiam ser
violentos. Olhei para meus companheiros e não havia medo em ninguém, mas eles
diziam que eu pensasse bem, porque podia ser nosso último dia por lá!
Jojó, surfista baiano, foi muito fiel: "O que
vocês decidirem eu tô junto, mas não tem como passarmos por eles com essas
peixeiras nas mãos. Não dá!".
Eu não queria acreditar que isso ia acabar assim!
Chorei rangendo os dentes:"Deus, faz alguma coisa!"
SURGIU, ENTÃO, UMA ESPERANÇA. Ouvindo a discussão,
mulheres apareciam nas janelas das casas. Gritei para aquela plateia que os
convencesse a nos deixar passar: "Ela vai morrer!!! Help us!"
Mas uma das janelas se fechou, e depois outra, e
outra, e todas. Deus não fez nada. Nem nós. Beijei a testa dela como quem a
entrega à sepultura. E minhas pernas tremiam de ódio enquanto voltávamos para o
carro. Passamos por eles, ombro a ombro. Entramos calados e o veículo circulou
a praça, o que acabou nos dando uma última visão dela, por trás, quando o
fotográfo conosco fez esse registro. Vê-la de novo me pôs em surto. Bati minha
cabeça por várias vezes contra a janela do carro, com força e choro:
"Escutem todos vocês: Nós não estamos indo
embora! Acabamos de chegar! A gente não vai embora daqui nunca mais! Vamos
montar uma Base! Vamos trazer nossas mulheres! Abrir uma organização
internacional! Certificar sua atuação nesse país, ganhar respeito e força, amar
essa gente por quem Jesus também morreu! Vamos trazer o inferno pra esse
inferno aqui!"
E assim nasceu o Caminho Nações - Way to the Nations,
o braço social do Movimento Caminho da Graça.
E eu nunca tinha escrito essa história. Agora que a
conto, não há dor (Já chorei tudo, meus manos, nem tenho mais lágrima!).
Tampouco há culpa. Aquilo foi permissão de Deus para nos mobilizar de modo
antes impensável.
Nunca na vida eu quis abrir uma agência
humanitária. Não era essa a ideia do Rev. Caio Fabio D'Araújo Filho ao nos
propor essa viagem! Eu sou profissional liberal. Não fazia a menor ideia do que
se trata o tal "Terceiro Setor". Eu sustentava dezenas de Missões com
meus boletos mensais, mas nunca quis ser um "missionário". Todavia,
passados 4 anos, abrimos uma Base pequenininha (foto), depois outra maior,
devolvemos muitas crianças às suas famílias, resgatamos outras tantas tirando-as
debaixo das adagas que as imolariam. Adquirimos um condomínio, uma Casa de
Acolhimento, a Fábrica de Esperanças (foto); e já demos "carteirada"
em muita gente:
"Saí da frente, sou missionário do Way to the Nations -
Humanitarian Association que arregimenta discípulos do Amor para lutar contra o
abuso nesse mundo cão! Saí da frente, em nome de Jesus! E assim, portas se
abrem, um disque-denúncia funciona, comunidades inteiras aprendem o Evangelho,
"Bobós" são devolvidos à vida e somos uma Boa Notícia - luz que
brilha nas trevas, sal que dá gosto a essa terra; vida, alegria e sorriso!
Garotinha, espero ter honrado teu sacríficio. Te
beijarei de novo!
Em Julho de 2014,
Marcelo Quintela
www.caminhonacoes.com
0 comentários:
Postar um comentário